Empresas latino-americanas com valores mobiliários registrados nos Estados Unidos, ou que pretendem registrá-los, devem ficar atentas. A SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) publicou um “concept release” propondo medidas e solicitando recomendações para modificar a definição de “foreign private issuer” — uma definição que há mais de 40 anos tem concedido benefícios a empresas não domiciliadas nos Estados Unidos.
Ser considerado um “foreign private issuer” confere uma série de vantagens não aplicáveis a emissores americanos, como: (i) possibilidade de apresentar demonstrações financeiras conforme IFRS ou GAAP do país de origem, com conciliação ao GAAP dos EUA, (ii) prazo mais longo para apresentação de relatórios anuais, (iii) dispensa de protocolo de relatórios trimestrais (embora traduções de relatórios trimestrais precisem ser entregues se as regras do país de domicílio os exigirem), (iv) divulgação reduzida da remuneração do conselho e da diretoria e (v) isenção a algumas regras aplicáveis a emissores dos Estados Unidos, como a Regulation FD, que exige divulgação de informações relevantes não públicas para todos os acionistas, as regras de votação por procuração (proxy voting) aplicáveis a solicitação de votos de acionistas e a Seção 16, que exige o protocolo de relatórios sobre a titularidade de valores mobiliários por insiders). Emissores privados estrangeiros também podem cancelar o registro de seus valores mobiliários com mais facilidade que emissores norte-americanos.
Caso uma empresa estrangeira deixe de se enquadrar na definição de “foreign private issuer”, ela seria obrigada a cumprir com todas as regras e regulamentos aplicáveis a empresas domiciliadas nos Estados Unidos, o que acarretaria maiores exigências e requisitos de divulgação e aumento dos custos de compliance para acessar os mercados dos EUA.
O que é um “concept release”?
Um “concept release” é um comunicado emitido pela SEC solicitando comentários públicos sobre potenciais mudanças a regulações antes da proposição oficial de novas regras. Neste caso, a SEC pede que os comentários sejam enviados até 8 de setembro de 2025. Após essa data, a SEC pode decidir divulgar uma proposta formal de nova regulação sobre os requisitos aplicáveis a emissores privados estrangeiros. Uma nova regulação proposta também seria submetida a um período de consulta pública antes de sua versão final ser adotada pela SEC.
Como é definida a figura do emissor privado estrangeiro atualmente?
Um FPI é qualquer emissor não domiciliado nos Estados Unidos (que não seja um governo estrangeiro), exceto se: (i) mais de 50% das ações com direito a voto forem detidas direta ou indiretamente por residentes dos Estados Unidos; e (ii) ao menos uma das seguintes condições forem aplicáveis: (A) a maioria dos diretores ou executivos são cidadãos dos, ou residentes nos, Estados Unidos, (B) mais de 50% dos seus ativos estão situados nos Estados Unidos, e (C) a empresa é administrada principalmente nos Estados Unidos.
Em outras palavras, se 50% ou menos das ações de uma empresa estrangeira pertencerem a residentes dos Estados Unidos, a empresa é considerada um emissor privado estrangeiro. Caso esse percentual ultrapasse 50%, para que a empresa seja considerada FPI é necessário que todos os critérios abaixo sejam atendidos: (i) a maioria dos diretores executivos e membros do conselho de administração não sejam cidadãos dos, ou residentes nos, Estados Unidos, (ii) pelo menos 50% dos seus ativos estejam fora dos Estados Unidos e (iii) a administração da empresa não ocorra principalmente nos Estados Unidos. Tendo em vista a potencial dificuldade de calcular com precisão a composição acionária da empresa, muitas empresas estrangeiras optam por cumprir com os três critérios para estabelecer seu enquadramento como FPI.
Por que a SEC está reavaliando os critérios de eligibilidade dos emissores privados estrangeiros?
Segundo a SEC, os benefícios atualmente oferecidos aos FPIs foram baseados, em parte, na expectativa de que os emissores privados estrangeiros estariam sujeitos a exigências relevantes de divulgação e fiscalização regulatória em seus países de origem. Porém, dados de 2023 mostram que cerca de 55% desses emissores têm suas ações negociadas exclusivamente nos EUA, e a maioria das ações de aproximadamente 76% dos emissores privados estrangeiros é negociada nos Estados Unidos. Ademais, há um número crescente de emissores sediados em jurisdições estrangeiras que não possuem regulamentações ou critérios de divulgação significativos. Esse cenário levanta preocupações de que muitos emissores privados estrangeiros estejam tratando os Estados Unidos como seu único ou principal mercado de capitais sem estarem sujeitos a regras de fiscalização ou divulgação relevantes, posicionando emissores domésticos dos Estados Unidos em desvantagem e divulgando aos investidores dos Estados Unidos informações insuficientes para que tais investidores se mantenham adequadamente protegidos ao investir nos valores mobiliários de emissores privados estrangeiros.
Quais mudanças estão sendo consideradas pela SEC para a definição de “foreign private issuer”?
Com o objetivo de endereçar as preocupações acima, a SEC está avaliando diversas mudanças à definição de “foreign private issuer”, tais como:
- Redução do limite de 50% no teste de acionistas nos Estados Unidos;
- Modificação do teste dos três critérios para, por exemplo, reduzir o limite de 50% dos ativos nos Estados Unidos ou considerar cidadania/residência de outros envolvidos;
- Imposição de um volume mínimo de negociação de valores mobiliários fora dos Estados Unidos;
- Exigência de listagem em uma bolsa de valores estrangeira “relevante”;
- Exigir que o emissor seja incorporado ou tenha sua sede em uma ou mais das seguintes jurisdições:
- uma jurisdição reconhecida pela SEC em termos de estrutura robusta de regulamentação e supervisão aplicável a emissores;
- uma jurisdição que mantenha acordo de reconhecimento mútuo com os Estados Unidos (como é o caso do Canadá, por exemplo); e
- uma jurisdição que seja signatária do memorando multilateral de entendimento da International Organization of Securities Commissions (IOSCO).
Todas essas medidas, combinadas ou não, poderão aumentar as exigências de divulgação e os custos de compliance para empresas estrangeiras que não conseguirem atender à nova definição de “foreign private issuer”. Além disso, alguns emissores estrangeiros poderão ser obrigados a registrar seus valores mobiliários em mercados fora dos EUA que imponham supervisão regulatória rigorosa. Em outros casos, empresas estrangeiras poderão ser desencorajados a registrar seus valores mobiliários nos EUA.
Independentemente de qualquer possível mudança de regra, emissores fora dos Estados Unidos devem atentar-se de que devem avaliar o status de FPI anualmente com base em informações do fim do segundo trimestre fiscal (que, para empresas com exercício fiscal terminando em 31 de dezembro, cairia em 30 de junho). Se uma empresa concluir que não se qualifica mais como FPI, ela deve começar a cumprir os requisitos de divulgação aplicáveis a emissores dos Estados Unidos a partir do primeiro dia do próximo ano fiscal.
O time de Latam do Proskauer está acompanhando atentamente esses desenvolvimentos e enviará atualizações assim que houver propostas de regulação pela SEC.